Partilhar

Durante vários meses vivemos num país das maravilhas, com os governantes maravilhados com alguns dados macroeconómicos que iam sendo publicados. Como o facto de a economia portuguesa ter apresentado um crescimento robusto no primeiro trimestre do ano, mas esquecendo-se que o fazia a partir de um ponto muito baixo depois da forte contracção de 2009, ou então vangloriando-se pelo facto da taxa de desemprego ter deixado de aumentar, ignorando que ainda registamos valores de desemprego absolutamente recordes.
Contudo, de um dia para o outro, Portugal mudou. No fatídico dia 29 de Setembro, pressionados pelos mercados e organismos internacionais, o primeiro-ministro e o ministro das finanças deram uma conferência de imprensa, depois de um conselho de ministros extraordinário, para anunciar que, uma vez mais, por culpa da conjuntura internacional o nosso país tinha mudado. Mas que conjuntura internacional? A maior parte dos países europeus encontra-se já em plena recuperação económica, vários deles apresentam já uma redução assinalável da taxa de desemprego e a esmagadora maioria consegue financiar-se a uma taxa de juro significativamente inferior àquela a que Portugal está sujeito.
Afinal tudo se resume à derrapagem orçamental, tendo o governo sentido a necessidade de tomar medidas adicionais de corte na despesa e aumento da receita (sobretudo esta segunda) tanto para 2010 como para 2011, com vista ao cumprimento das metas de défice fixadas e com o intuito de tentar acalmar os mercados.
Tarde demais percebemos que não dá bom resultado hostilizar o mercado. Neste caso, os mercados financeiros internacionais não são os causadores dos problemas, tanto mais que têm sido eles que têm financiado a economia portuguesa e o próprio Estado. Não esqueçamos que os credores do Estado são os mesmo que nos habituamos a chamar de “especuladores financeiros”. O governo devia ter-se preocupado desde o início, como fizeram muitos países europeus (por exemplo, a Espanha), em tentar erradicar as razões que estão na base da desconfiança dos investidores e antecipar-se ao próprio mercado. Convencer os investidores de que, contrariamente ao que aconteceu com o PEC II, o governo será capaz de executar as medidas anunciadas e que terão o efeito desejado. Já costuma dizer o povo: “Nunca mordas na mão que te dá de comer”.
Assim sendo, e chegados a este ponto, o governo apresentou um plano, já intitulado de PEC III ou de Plano Sócrates, em que são definidas as novas medidas de corte orçamental. Para 2010, o corte do défice é feito quase exclusivamente com a transferência do Fundo de Pensões da PT para o Estado. Uma medida extraordinária, não replicável, que é exactamente o mesmo tipo de medida que este governo tanto criticou aos anteriores. Deixando assim para o próximo ano o corte no défice já previsto no PEC II para 2011, mais o corte de 2010 que entretanto não foi feito de forma sustentável.
Foram então anunciadas, para o próximo ano, medidas draconianas como há muito não se via no nosso país. Já foram claramente definidos cortes nos salários da grande generalidade dos funcionários públicos, ou a eles equiparáveis, acréscimo das contribuições, aumento dos impostos indirectos (sobretudo IVA) e dos impostos directos (IRS) via reorganização das tabelas de retenção, bem como cortes nos benefícios e deduções fiscais. Para além disso, as outras medidas de efectivo corte na despesa não foram tão bem quantificadas nem explicadas: falou-se em corte nos organismos públicos, redução da frota de automóveis, diminuição das despesas intermédias… Mas quais? Quando? Como? Quanto?
Se fizéssemos um raciocínio teórico muito simples e imaginássemos que éramos governantes por um dia e tivéssemos esse dia para tomar decisões com vista à consolidação orçamental, que medidas adoptaríamos? É fácil: aumentaríamos impostos e diminuíamos salários dos funcionários públicos! Mas será que a imaginação e conhecimentos de quem nos governa não lhes permitirão adoptar medidas menos lesivas para as pessoas e que não tenham efeitos tão nefastos na economia do país?
De facto, um corte desta magnitude, feito sobre pressão, volta a recair essencialmente sobre os mesmos: a classe média que se encontra cada vez mais reduzida e que tem sido o motor da nossa economia. É um pacote de contenção orçamental constituído por medidas cegas e que empurrarão a economia nacional para uma nova recessão. Vários economistas e organismos nacionais e internacionais já o anunciaram. Porque, da mesma forma que uma boa terapêutica ajuda um doente a melhorar, a brutalidade de uma receita pode contribuir para agravar a doença. O aumento da carga fiscal não pode, nem deve, ser eternamente visto como a solução para todos os problemas da economia portuguesa.
Está na hora, uma vez por todas, de fazer um orçamento sob a perspectiva de um cirurgião e não sob a perspectiva de um talhante… Cortar na gordura, mas deixar o músculo…
Pedro Barroso Magalhães
Analista Financeiro e Vereador na Câmara de Murça
in A Voz de Trás-os-Montes em 14 de Outubro de 2010